O parto da Elisabete
Já lá vão 8 anos e uns meses. A memória trai-nos, com o tempo, e há pormenores que se apagam. Estranhamente, há outros que, na altura nos parecem sem importância, mas que teimam em ficar gravados. Decidi relatar-vos a minha primeira (e única, por enquanto) experiência de dar à luz. Por um lado, porque, tal como eu, a vossa curiosidade por histórias de mamãs que passaram pelo que vão passar deve ser bastante (ainda que não haja uma única história igual) e, por outro, porque já há muito que deveria ter deixado o testemunho escrito para não deixar escapar mais pormenores no tempo.
Depois, levaram-me para um corredor, onde me deixaram, soube mais tarde, durante cerca de 2 horas. Estavam a transmitir um jogo de futebol qualquer na televisão e os médicos estavam virados de costas para mim, numa salinha em vidro, todos a ver o tal jogo. De repente, senti uma dor enorme na costura. Queria gritar mas não conseguia, pois tinha a garganta muito dorida (devia ser do tubo que nos introduzem na garganta, durante a operação) e as pessoas que estavam na tal salinha não davam por isso porque estavam de costas. Ao fim de um bocadinho, lá passou alguém que reparou e me disse, aflita: "Ai querida, estás cheia de dores, não é??? Espera!" Passado uns minutos, voltou com uma seringa com um líquido que injectou no tubinho do soro e que era milagroso, pois as dores desapareceram instantâneamente. Posso dizer que nunca mais senti dores como aquelas na costura, a não ser quando me levantava ou deitava, me ria ou tossia. Nada que não se suportasse.
P.s.- Pus aqui umas fotos da gravidez da Elisabete (vê-se mal porque tirei fotos de fotos). Mas dá para ver que a barriga é muito parecida com a que tenho agora e os pés super inchados). Também pus uma foto da Elisabete recém nascida, mas também com pouca qualidade, pelas mesmas razões.
Assim, aqui fica:
A minha gravidez foi relativamente tranquila, em termos de preocupações. Sofri de muitos enjoos, no início, que me fizeram perder cerca de 3 kgs nos primeiros 3 meses. Os pés incharam-me às 30 e poucas semanas e nunca mais desincharam até poucos dias depois do parto. Tive uma anemia pronunciada (talvez devido à perca de peso no início). De resto, tudo muito tranquilo e uma felicidade imensa.
Estava convencida que a minha menina só nasceria depois da data prevista (1 de Novembro) e nunca estive sequer ansiosa.
No Domingo, dia 18 de Outubro (às 38 semanas e 2 dias) sentia-me óptima, como sempre me sentira. Os pés inchados já nem me preocupavam (sim, davam-me mal estar, mas compensava). Ainda estava muito calor. Tinha sido o Verão da Expo, um dos mais quentes e compridos de que há memória. Fui à feira depois do almoço, com familiares e lembro-me que cheirava muito bem a pão com chouriço. Fiz esse comentário e uma senhora, ao ouvi-lo, ofereceu-me um pãozinho quentinho, o tal com chouriço. Recusei, de início mas a senhora insistiu, dizendo que tinha mesmo que o comer porque me estava a apetecer. Lá aceitei. Soube-me tão bem!...
Passei o resto do dia na casa da minha mãe. Quando cheguei a casa, ao fazer xixi, tinha saído o rolhão mucoso! Para quem tem dúvidas, na altura, se vai saber o que é, ou não, acreditem: sabemos logo. Era uma espécie de muco espesso, raiado de sangue vivo. Eram cerca de 9h da noite. Liguei ao meu obstetra que, por acaso, até estava de serviço e contei-lhe. Ele pediu-me para me observar. Tomei uma banhoca, TENTEI fazer a depilação completa e lá fomos para o Hospital de Cascais. O médico fez-me o toque e disse-me que o parto não estava para aquela altura, que talvez demorasse ainda uns dias. Fomos embora. Eu estava tão, tão calma. Feliz e calmíssima. Fiquei impressionada comigo própria, pois sempre pensei que entrasse em pânico quando a hora se aproximasse.
Em casa deitei-me, comi um caldo verde que me soube muito bem, na caminha, e preparei-me para ver um filme. Uns minutos depois, senti uma coisa a estalar dentro de mim, como que um "plocht" e pensei imediatamente que estava a sangrar. Levantei-me depressa e um jorro de água morna e transparente caíu de mim para o chão, como uma cascata. Tinha rebentado a bolsa. Mais feliz fiquei!
Chegámos à maternidade às 22.30h e, ao dar entrada, uma enfermeira perguntou-me "o que está aqui a fazer?". Respondi que me tinham rebentado as àguas e ouvi um "e é preciso vir já para cá??? Estas grávidas, francamente!!!", com uma má vontade incrível.
O meu médico lá estava. Seguiram-se os procedimentos da praxe: pesou-me (tinha mais 13 kgs em relação ao início da gravidez) e preencheu uns papéis. Depois fiquei entregue a uma enfermeira que me fez um toque (não tinha dilatação alguma), me rapou o que restava dos pêlos púbicos (não vale a pena tentarmos fazer a depilação antes de ir - elas fazem-na na mesma, já aprendi), e me deu 2 clisteres. Depois do intestino limpo (que imagem bonita!), coloquei a minha roupa e calçado dentro de um saco, que entregaram ao meu marido, na altura, e vesti uma bata aberta atrás.
Levaram-me para uma sala com 2 marquesas e mandaram-me deitar de lado. Puseram-me um protector debaixo, por causa do líquido amniótico, que estava sempre a sair, espetaram-me o soro e ligaram o CTG.
Deixaram o pai dar-me um beijinho de despedida (não era permitido acompanhantes com as parturientes), apagaram as luzes e mandaram-me dormir. Fiquei sózinha. Nem havia mais ninguém para ter bebé.
Passei toda a noite em claro, a ouvir o pessoal a ressonar!
De manhã, chegou uma rapariga com uma cesariana programada, mas fecharam as cortinas entre nós, de maneira que não houvesse contacto. Estive sempre deitada para o lado direito, virada para o aparelho de CTG. Só me virava para o lado esquerdo quando me tiravam sangue ou de barriga para cima para me porem e tiraram a arrastadeira (muito xixi eu fiz!!) ou para me fazerem o toque.
A dilatação não evoluía. A 2ª equipa, que entrou de manhã, era bastante mais simpática. Como não deixavam o pai estar ao pé de mim, uma enfermeira tentou fazer-me alguma companhia. Conversava comigo, dava-me esperança a dizer que já se via qualquer coisa no gráfico das contracções. Aumentou o fluxo de oxitocina no soro para ver se acelerava o processo. Quando essa equipa teve, por sua vez, que dar lugar a outra, estes já não eram tão simpáticos. Baixaram o soro, o que fez com que as leves ondulações na linha das contracções dessem lugar a uma linha recta, e chegaram a dizer-me, ao ver que não tinha mais do que 1 dedo de dilatação, ao fim de tantas horas: "eu quero ver como vai passar por aqui uma cabeça!!!".
De vez em quando, e pela "porta do cavalo", lá deixavam o pai vir ver-me e dar-me um beijinho.
Eu estive sempre super calma e cheguei a ouvir uma das equipas dizer a outra, na mudança de turno "só está ali uma gravida, mas é tão boazinha, deixa fazer tudo....".
Por volta das 19 horas do dia 19, chegaram os resultados de mais umas análises ao sangue, das muitas que me íam fazendo. A doutora abriu o envelope e ouvi-a dizer: "Podem algaliá-la!". Veio ao pé de mim e disse-me: "Olha, querida, vamos ter que operar". Lembro-me de ter ficado tão triste! Pensei: "ao fim de 20 horas aqui, vão adormecer-me e operar! Não quero!". Foi a primeira vez que me correram lágrimas.
A partir daqui, foi tudo muito rápido. Vieram com a algália, mandaram-me abrir as pernas e disseram, enquanto a introduziam "respire fundo, pela sua filha!". Depois, passei para outra marquesa e levaram-me para a sala de operações. Aí, deitaram-me numa espécie de bancada, por debaixo daquelas luzes de sala de operações (como vemos nos filmes), toda despida. Ouvi um médico ralhar com alguém e dizer para me taparem, pois "detestava que deixassem as grávidas nuas". Depois avisaram-me que iria sentir algo frio na barriga, enquanto me passavam um algodão embebido numa substância que me pareceu Betadine pela barriga. Lembro-me de estar a sentir cólicas muito semelhantes a cólicas intestinais e avisei, ingenuamente: "Eu acho que preciso de ir à casa de banho, antes...". Responderam-me, a rir: "Não, não precisa, acredite!". O anestesista, muito simpático, ía injectando algo no soro, ao mesmo tempo que me perguntava: "E então? Vai ser um sportinguista ou um benfiquista?" Respondi que seria uma sportinguista e ele respondeu "Muito bem, é cá das minhas!".
Não me lembro de mais nada, a não ser de me acordarem com umas palmadinhas nas bochechas, a dizer: "Vamos acordar, já passou, tem ali uma menina linda, com 2800 kgs!". Perguntei se estava tudo bem, se "era perfeitinha". Disseram-me que sim, que era linda e perfeita. Chorei de alegria e lembro-me que queria abraçar toda a equipa à minha volta. Só repetia: "Obrigada, obrigada por tudo!".
A Elisabete nasceu no dia 19 de Outubro de 1998, às 19,20h, com 2,890 kgs e 46 cms, com índice Apgar de 9/10.
Levaram-me, finalmente, para o quarto. Passei pelo hall de entrada, que estava cheio de familiares e amigos meus, que me deram beijinhos e me diziam: "Ela é linda!!".
Passei, então, para a minha cama na enfermaria (isso custou) e fiquei a dormitar. O papá apareceu com a Elisabete no bercinho, mas eu não consegui vê-la porque não conseguia erguer-me (e ele tinha receio de tirá-la do berço) e estava completamente knocked out ainda da anestesia geral.
Adormeci. Durante a noite, não sei a que horas, trouxeram-me a minha menina para mamar. Aí já a vi. Estava roxa, inchada e coberta com uma substância branca. Não a achei bonita, ao contrário do que sempre imaginei (pelos relatos que ouvira). Ela mamou e achei tão fácil, naquela altura. Foi uma sensação estranha, ter a minha bebé ali ao pé de mim, a alimentar-se de mim. Nem sei se gostei, ou não. Só tive uma sensação estranha, que não sei definir.
No outro dia, de manhã, vieram lavar-me, tirar a algália e levantar-me. Custou um bocado, tive uma quebra de tensão e tive que comer 2 pacotes de açúcar. Mas passou depressa.
Vesti a minha camisa de noite, pediram-me a primeira roupinha da bebé (que, até aí, tinha estado vestida com a roupinha do hospital) e mandaram-me descansar.
Um bocadinho depois, apareceram com a minha menina no bercinho, a dormir. Aí é que me encantei com ela! Parecia que estava a conhecê-la só nesse momento! Peguei nela para a ver bem e deitei-a na minha cama. Vi-lhe as mãozinhas, os pézinhos, a barriguinha, tudo. Era linda! Moreninha, uma boquinha e um narizinho minúsculos, muito cabelinho preto. Uns olhos achinesados e uma carinha redondinha. Era muito curtinha e a roupa ficava toda comprida.
Avisaram-me para não deixar mais de 3h de intervalo entre mamadas. Ela mamava muito bem, não tive problemas. O peito encaroçou e isso doeu bastante, tive que desfazer os nódulos com Trombocide, e esse problema ainda durou umas semanas mais. A Elisabete começou logo com cólicas, ainda na maternidade, e uma enfermeira ensinou-me a estimular a saída do cocó e dos gazes com a pontinha de um bebégel e com massagens. Foi-me muito útil, pois as cólicas duraram mais de 3 meses.
Estive na maternidade 5 dias. Estava desejosa de voltar para casa e, quando voltei, avisei toda a gente que queria ficar sózinha com a minha família, só os 3. Toda a gente respeitou o meu desejo. Foi muito importante para nos habituarmos à nova realidade e a novas rotinas.
Durante muito tempo fiquei com uma barriga de 5 meses de gravidez, flácida, dormente, com uns seios que tanto estavam num tamanho 36 como num 42, consoante estavam cheios ou vazios, mas tudo valeu a pena. Mesmo que a barriga nunca mais tenha sido lisinha como era, nem que o meu peito nunca mais voltasse a ser durinho e empinadinho. A minha filha fez tudo valer a pena e é o meu tesouro mais precioso, a minha vida.
E digo-vos: o amor que se sente por um filho é crescente, de ano para ano, de mês para mês, de dia para dia. O que eu amo, agora, a minha filha, não é sequer comparável ao que eu a amava nos primeiros dias e, já nessa altura, eu achava impossível amá-la com mais intensidade!
10 Comments:
adorei as tuas palavras!
Q lindo depoimento! Adorei!
Beijocas grandes
Lindo lindo, adorei a foto da tua filhota.
Bjks e bom fim de semana
ainda bem que sou homem ... nunca irei passar por isso :-P
a Catarina faz hoje (sábado) 37 semanas, a partir de hoje, é quando vier!
gostámos muito da tua 1ª gravidez, pena sem dúvida ter sido como foi e não com os gritos do parto normal ;-)
aqui a "banheira" é o 1º modo de ter a criança, "normal" só se não se conseguem levantar da marquesa, cesariana se a coisa tá mesmo complicada.
Que lindo...emocionaste-me!
Um dia destes coloco aqui o relato do parto da minha M. (de preferência antes de colocar o do R.)!
Concordo contigo, nada se compara a este amor!
Parabéns mamã!
Deve ter sido emocionante recordar esse dia!! Em breve passarás por mais um momento lindo :-D
Beijinhos e uma hora pequenina
Parabéns Carla adorei o teu relato do parto!
A Elizabete está uma fofura na foto!
Muitas beijoquinhas à Elizebete e muitas festinhas na tua barriga!
É sempre bom recordar, e dizes que te falham alguns pormenores??? Pela descrição, não me pareceu nada!
Beijocas muitas
Maria Pereira
www.era1xeu.blogs.sapo.pt
Li tudinho!!! Incrivel como ainda te lembras de tantos pormenores passado tantos anos. Obrigada por partilhares.
Beijocas
Suzana
Lindo! Simplesmente lindo.
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